Na instalação da Dara

Dara detestava repetição. nunca estava no mesno sítio, nunca usava as mesmas palavras duas vezes. Toda a novidade em breve cansou-a. Via padrões e sbia que estes existem porque algo se repete.
Gostava de ser como a Mary Ellen que era uma rapariga certinha, queridinha, que tinha o mesmo namorado, que morara sempre na mesma casa e passava os dias no escuro quarto onde trabalhava. Cansada, irritada com tudo e com todos, tentou, cedeu, quis normal, tentou repetir-se. O tédio instalou-se na vida. A repetição era tédio. Dedicou-se então a fazer do que volta uma coisa nova. Sucedeu e expôs-se.

Fim

Estados e formas

O gato que ri foi de férias para o deserto. Não encontrando árvores onde se deitar, aparecendo e desaparecendo, e conversar com quem passa, ficou, primerio muito confuso e depois muito sedento devido à ansiedade. Pensou em voltar ao lugar mágico onde vivia mas mudou de ideias assim que avistou o primeiro camelo. Perguntou muitas coisas, viajou imenso entre bossas do seu novo amigo e nas bossas dos amigos do seu amigo. De volta ás árvores que estava habituado sentiu a estabilidade como um estado estático.

Indignação

Uma pérola sentiu-se deslocada numa cerimónia. Saltou do colar, pediu a sua ostra. Vestiu-a e saiu.

Força

Emily escreve à noite o roteiro do dia seguinte - trepar o tronco de uma árvore, como se fosse um pescoço, e apertá-lo com força para que nunca a deixe.

Corrida

Os cavalos em corrida realçavam a velocidade a que correm os campos por eles.

Livros

O sítio reservado para existências tão pesadas quanto os livros são as bibliotecas públicas - sem cartão de utilizador nem cartas que justifiquem a visita. (Não devem existir mais livros a circular que bibliotecas públicas para os guardar)

Espera

Quando as camélias e as magnólias floresceram, Emily correu para o portão e agarrou-se às grades.
- Esperava-vos angustiada. Agora que chegaram sei que vos esperava apenas porque tinha vontade de vos ver. Ora se não fosse a minha vontade mas a vossa que eu respeitasse estaria bem mais tranquila.

Ada

Agonizava em perguntas ás quais só no futuro encontrava a resposta. Nas madrugadas, apogeu das noites não dormidas contemplava o orvalho nas folhas. Os pontos de água eram transucidos e através deles estava à vista uma perspectiva diferente da mesma realidade. Era nestes dias que olhava com mais atenção as ramificações das folhas na sua complexidade. Ada era pequena ainda e via estes pormenores em tudo, incluindo no tempo. Uma criança difícil e muito calada.

Manta

Uma fina manta cobria os pés do santo humilhado do bando dos santos pobres, rejeitados na vida, exultados em decomposição, que usaram da espada para furar camadas de denso nevoeiro.
O santo fora-o e sê-lo-á no seu excesso, não na poupança.

Um semelhante

Sentindo-se sempre acompanhado até nos mais agrestes ermos, dialogava com a comunidade que o seguia. Esquecer-se-ia muito rapidamente quem era senão se cruzasse com um semelhante. Nestas ocasiões encontrava no outro a dor de se ser contrariado na vontade. Era então que pensava como pequena era a vontade dos homens se não aprendessem com um cão ou uma pedra solta de um penhasco a vontade de existir.

Personalidade

Começou por dizer que se lembrava do nome. Lembrava-se do nome e mais nada. Sabia que se chamava Maria. Chamaram-na Maria desde então. Inventaram uma vida passada para a Maria e ela, a partir dos factos, relatados pelos mais chegados, foi construindo memórias. A Maria era, com todas as contradições envolvidas, o que os outros achavam que ela era e o que ela mema achava que era. A partir daí passou a viver de acordo com os valores determinados.

O gosto pela argumentação

Naquele curto espaço de tempo em que os gatos falavam morava aqui nas redondezas uma rapariga que se chamava Maria e que tinha um gato persa. Ambos eram muito mal dispostos e não havia uma semana que passasse sem discussão. Era sempre por causa do peixe. Ela era vegetariana e ele também mas insistiam com o outro tinha que comer peixe. Todos ficamos muto contentes quando a época terminou e o gato se calou. Quando isso aconteceu calaram-se os dois. Ambos comem peixe.

Instantes

Cada caderno estava abençoado com um nome que o idêntificava como único. Nos cadernos escrevia as listas. Listava, por exemplo, o nome de todos os animais que conhecia e as qualidades que caracterizava cada um como sendo único (para além do nome). Listava, entre outros, plantas, objectos, pessoas e casas, sempre da mesma forma e com a intenção de demonstrar a individualidade.
Os cadernos e as listas acomularam-se. Com os anos perdeu a noção do tempo e como resultado os mesmos elementos eram catalogados como se se tratassem de novas adições. Esqueceu-se que tudo se altera com o passar do tempo.

Qual é a pergunta?

Uma - Abriu-se a mão que desvelou areia. Cuspiu-se na areia e desta combinação nasceram formas tridimensionais. Outra - A água domar, com a força de uma onda, estendeu uma superfície plana feita de areia e com os dedos nasceram desenhos. Tudo se transforma: formas e desenhos, planos, dimensões e histórias contadas e logo transfiguradas em outras histórias. Tudo se move. Uma responde, outra responde.

Demasiado

O sol queimou e a pétala aceitou o seu destino deixando-se queimar. O movimento de toda a planta é lento a reagir ao desespero de uma pétala periférica. A roseira morreu de feieza por estar numa posição demasiado exposta ao calor do verão estranhamente quente. Se o movimento da planta é lento o solo quase não se mexe.

Oceano

O governo de um pequeno país contratou trabalhadores para conquistarem terreno ao oceano. O oceano cedeu enquanto não lhe tocaram nos calcanhares com um pico para abrir caminho, depois abraçou-os com um manto de água, pérolas e escamas. Os homens quando foram encontrados eram estátuas - tesouros.

Suturas

No dia em que deixou de pensar com a própria cabeça esta rachou deixando expostas várias fendas. Quando as coseu com fios de cálcio chamou-lhe suturas - articulações cranianas que permitem flexibilidade.

Consumo

Sacudiam-se no escuro as labaredas de um fogo forte que iluminava um baile de homens e mulheres nuas. Esta tribo tinha a tradição de se manter viva através dos corpos que se dão à origem. Ao amanhecer resistiam apenas cinzas debaixo da ponte onde pouco depois atravessaria o ferry transportando trabalhadores para a outra margem da cidade.

A história e as suas invenções

Numa foto de grupo quem segura a câmara é o actor. A audiência (personagens da futura foto) espera pelo comando. A estrela no momento é o ilustre esquecido. Um invisível com papel principal.

O invisível

Os jardins dos meus sonhos têm sempre rosas e labirintos. Com vista a realizar o desejo de jardins enigmáticos e coloridos, resolvi falar com o arquitecto da Babilónia, a cidade vizinha, e propôr-me para jadineira do palácio que andavam a construir. Mal sabia eu que os jardins se situavam no telhado das casas. Quando chegou a altura de começar o trabalho, construí um enorme labirinto - um enigma impossivel, mesmo para o melhor sentido de orientação. No centro estava o roseiral. O vento soprava e levava a todo o lado o cheiro das rosas das quais ninguém nunca viu a côr.

A experiência de ser singular

Todos os dias, desde o seu trigésimo terceiro aniversário, um envelope era colocado à sua porta. Sempre igual, sempre a horas diferentes, sempre quando não estava lá para observar o acto. Tinha trinta e sete anos e não descubrira ainda a autoria. Tudo o que era regular e parte da rotina era também pacífico, porque era rotina também para todos os que conhecia: como a chegada da luz do dia, a hora de comer e a hora de dormir. Os envelopes só para si eram rotina.

A Cabeça

As irmãs pressa e a preguiça coabitam na mesma casa. Enquanto uma se apressa a outra preguiça:
quando a preguiça se apressa, a pressa preguiça.

A razão para ser estátua

Desejava ter o desenho, o retrato, o fio de cabelo quem sabe, seja o que fosse necessário para avivar a momória perdida. Perdida, esta memória, preciosa e única, serivira a todos menos áquela que sabia a possuir. Sentada esperou. Assim, como que absorta em pensamentos profundos, ficou. Havia uma razão para o desejo que se perdeu.

Um mistério e ao mesmo tempo uma situação comum

Nem por terra nem por mar e pelo ar tão pouco. A travessia não era espacial nem temporal. Era um instante e em qualquer lugar. Nem todos foram capazes e os que ficaram morreram na tediosa espera.

Procura

A aparência líquida de uma esfera de chumbo e a aparência sólida de uma esfera de mercúrio colidiram, dando oportunidade para que cada esfera procurasse a sua verdadeira natureza.

Orvalho

Por sua vontade um escritor foi borrifado num canteiro de flores - sem nenhuma diferença fazer às flores. Nem ao amor que sentia por elas.

Discernimento

Coube-lhe a função de vigiar as entradas e as saídas dos portões da cidade - mesmo depois das muralhas desaparecerem manteve-se no seu posto dizendo: “os que entram por aqui não são os mesmos que entram por além”.

Vento

Desfolhava as pétalas de uma rosa adoentada com cuidado para aproveitar o resto da flor quando um pensamento sobre a origem do valor que damos à organização dos nossos próprios pensamentos por pouco se transformou em vento.

Informação

Casou-se em casa, teve uma criança enquato figia à chuva e ao vento num ida de inverno e morreu num suspiro: estudo para a biografia de uma pessoa silênciosa.

Em cíclo permanente

A meio da noite decepou a cabeça da estátua com a forma de uma menina chinesa. A menina da estátua estava sentada em cima de um livro, abanava um leque e vestia-se elegantemente de vermelho. Era, para além de menina chinesa, um mealheiro. Este acto, o de decepar a cabeça, simbolizava o término da sua tentativa de amealhar, não se desse o caso de ficar a pensar no monte acomulado de lixo entre as moedas.